“Juntos” – Michael Shanks (2025)

Dirigido por Michael Shanks, “Juntos” (“Together”) , é um terror psicológico que cola na pele — literalmente— e na mente. A premissa é simples e perturbadora: após um evento estranho, um casal não consegue mais se separar fisicamente. Essa fusão de corpos não é um truque de choque gratuito, mas um body horror cuidadosamente construído para explorar um medo mais íntimo: o de perder a própria identidade dentro de uma relação.

A Bíblia, em Gênesis 2:24, descreve que “o homem deixará pai e mãe e se unirá à sua mulher, e serão ambos uma só carne”. Na tradição, isso simboliza amor profundo, compromisso e união espiritual. Shanks distorce esse conceito, transformando-o em realidade física — músculos, ossos e pele fundidos em um só organismo. Aqui, o “uma só carne” deixa de ser expressão de cumplicidade e se torna encarceramento.

Visualmente, o filme é opressivo. Espaços fechados, enquadramentos apertados e iluminação quase crepuscular reforçam a sensação de claustrofobia. A fusão não é limpa nem harmoniosa; há rugas, tensões, pequenos pontos em que um corpo parece resistir ao outro, como se o próprio organismo tentasse se libertar. É o tipo de detalhe que provoca repulsa por parecer estranhamente plausível.

No terror psicológico, Shanks evita sustos fáceis e aposta no silêncio, nos olhares, nas discussões abafadas. Millie ( Alison Brie, ‘Glow’ ) e Tim ( Dave Franco, ‘Truque de Mestre’) já estavam emocionalmente desgastados antes da fusão, e agora cada irritação, cada frustração, é amplificada pela proximidade irrevogável. A intimidade se torna vigilância, e o amor se confunde com dependência. Não há mais “eu” separado do “nós”.

O grande mérito de “Juntos” é fazer o body horror e o terror psicológico se retroalimentarem. A deformação física só é perturbadora porque conhecemos o desgaste emocional do casal; e o drama psicológico só ganha tanto peso porque sentimos, quase na pele, o desconforto dessa união forçada.

No fim, o filme é um lembrete incômodo: até onde vai o limite saudável da entrega em um relacionamento? Quando o “nós” apaga completamente o “eu”, resta amor — ou apenas sobrevivência? Juntos responde de forma agonizante e brutal essa pergunta : às vezes, ser “uma só carne” é a pior maldição que se pode desejar, diante do apagamento da individualidade que, afinal, foi o que uniu as duas metades.

Nota: ✨✨✨,5

Por Ester Graziele

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