“Homem com H” – Esmir Filho (2025)

Esmir Filho entrega em “Homem com H” (2025), um filme majestoso, visualmente impactante e emocionalmente potente. Com estreia marcada para hoje (1), vale muito a pena ser visto e sentido. A cinebiografia de Ney Matogrosso não só retrata a trajetória intensa e cheia de batalhas do artista, como também mergulha na alma de um ícone brasileiro que sempre esteve anos à frente do seu tempo.

A atuação de Jesuíta Barbosa é hipnotizante, ele encarna Ney com uma sensibilidade rara, que vai além da imitação, onde artista é visto no próprio ator. Há momentos em que não distinguimos o ator do personagem, é compreensível por tamanha entrega física e emocional. O corpo, a voz e os olhos são ferramentas de expressão em um desempenho que pulsa em cena e atinge o espectador. ‘Homem com H’ não tem medo de se debruçar sobre temas que, décadas depois, ainda enfrentam preconceitos. A androginia, a sexualidade dissidente e o amor fora dos moldes monogâmicos são apresentados de forma natural e visceral, como parte indissociável da vida e da arte de Ney Matogrosso.

O ícone surge em cena para surpreender e hipnotizar, não apenas o público, mas até mesmo seu próprio pai, Antônio Matogrosso ( Rômulo Braga), cuja rigidez contrasta com a liberdade incandescente do filho. Mais do que viver essas pautas, Ney às enfrentou de cabeça erguida e coração aberto, transformando sua existência em manifesto. Com muito brilho no olhar, ele atravessou o conservadorismo como um bicho selvagem lutando pelo seu território, afirmando sua identidade com coragem, beleza e arte. Desde a infância, a arte o atravessa. O encantamento pelo maximalismo brota logo na primeira cena simbólica, quando uma cantora fantasiada de tigresa desperta algo nele que nunca mais seria contido. A relação com o pai, marcada por repressão, contrasta com a presença doce da mãe (Hermila Guedes) , sempre torcendo pela sua liberdade. A jornada vai da saída de casa, passando pelo estágio na aeronáutica, o primeiro encontro com um homem, aulas da turma de coral, customizar peças e figurinos até os momentos esses que revelam não só a construção da persona artística, mas a subjetividade complexa de um homem que amava intensamente.

Ao longo de “Homem com H”, a sexualidade de Ney Matogrosso é retratada com delicadeza e verdade. Não há concessões à caricatura nem à explicação forçada ela simplesmente é, livre, orgânica, visceral. Seus relacionamentos com outros homens aparecem como encontros de afeto e grandee desejo, longe de tabus e rótulos. Entre os vínculos afetivos mais marcantes retratados, destacam-se Marco (Bruno Montaleone) e Cazuza (Jullio Reis) dois nomes que atravessam a vida de Ney com intensidade e significado. É com naturalidade que o filme mostra esse corpo que ama e se entrega, sem culpa, sem esconderijos.Por suas vivências amorosas, ele não buscava caber em definições, ele vivia o amor e o prazer de forma expansiva, como extensão de sua liberdade artística e pessoal. Há também um recorte sensível sobre as perdas devastadoras provocadas pela epidemia de AIDS, que atingiram Ney de forma direta e brutal.

O roteiro, por vezes, é um pouco acelerado, saltando em etapas que poderiam respirar mais, porém os cortes também funcioanam e são bem colocados na narrativa, evitando que a produção caia na linearidade típica de muitas cinebiografias. Ainda assim, o público pode sentir um pouco de falta de um olhar mais profundo sobre quem é Ney Matogrosso hoje, já que o foco se mantém nas fases iniciais e nos conflitos de formação. Visualmente, Homem com H é um espetáculo. O design de produção é dramático e surpreendente, assim como Ney, que transforma o palco em templo, corpo em manifesto e alma em bicho. Cada figurino, luz, música e movimento ajudam a compor esse mosaico vibrante da sua existência. Ao final, o que se vê é a jornada de alguém que ousou viver plenamente e, com isso, quebrou inúmeras barreiras. Uma biografia que é, ao mesmo tempo, política e poética.

Nota: ✨✨✨✨½

Por Rebeca Furtunato

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